Fonte: O Globo
Alta nos preços de materiais e medicamentos, aumento na frequência dos atendimentos e custos com inovação tecnológica ameaçam a sustentabilidade do sistema de saúde suplementar
A Variação de Custos Médico-Hospitalares (VCHM), indicador da “inflação médica”, utilizado pelo mercado de Saúde Suplementar, aponta que as despesas assistenciais crescem de maneira expressiva e acima da inflação geral de preços. De acordo com a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), o índice de variação das despesas da assistência à saúde é que determina o reajuste anual das mensalidades dos planos. Esse índice é formado pela combinação de dois componentes básicos: a variação dos preços pagos por consultas médicas, exames complementares, atendimento ambulatorial, terapias e internações; e o aumento da quantidade de procedimentos utilizados por beneficiário desses serviços.
A incorporação de tecnologia também exerce enorme impacto nas variações anuais de custo, segundo explica a presidente da entidade Solange Beatriz Palheiro Mendes.
– Em diversos setores econômicos a inovação tecnológica melhora a qualidade, a produtividade e, como consequência, reduz o custo do produto ou serviço. No setor de saúde não é bem assim. Novas tecnologias são disponibilizadas pela indústria de materiais e equipamentos hospitalares com intensa regularidade e acentuada elevação de preços. É por isso que a tecnologia faz crescer a despesa no setor de saúde. Consequentemente, não se deve abusar desses recursos tecnológicos sem levar em consideração sua eficácia e eficiência.
Portanto, a “inflação médica”, na avaliação da presidente da FenaSaúde, não guarda relação com a inflação geral de preços porque o custo médico é formado por variáveis relacionadas ao aumento da variação de preços de insumos, como também da contínua incorporação de novos procedimentos, de práticas que levam ao desperdício e do aumento da longevidade da população que implica em maiores demandas por serviços de saúde.
– É preciso compreender como é formado este preço no segmento. Por exemplo, além do aumento da consulta, também pesa na formação das despesas, e portanto nos reajustes, o aumento na quantidade de consultas realizadas, ou seja, na frequência de utilização. Sendo assim, é necessário observar que quanto mais consultas são feitas, mais isso irá refletir nos custos dos planos de saúde. As consultas podem ter até o mesmo valor, mas se forem realizadas em maior número, o custo do plano sobe. O reajuste divulgado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deve espelhar a variação das despesas de cada beneficiário como condição para preservar a sustentabilidade econômica da operação. A “inflação médica” é a combinação das duas: a variação de preço e a variação da frequência. Não é, portanto, um índice de preços. É, na verdade, um índice de despesas – explica a presidente.
Gastos crescentes das operadoras não fecham a conta
Diante deste quadro, a entidade chama atenção para o fato de que o índice de reajuste de 13,55%, definido pela ANS para este ano, não cobre os gastos crescentes das operadoras. Segundo levantamento da própria FenaSaúde, 19,17% foi o percentual de despesa assistencial de cada beneficiário.
Os gastos com o serviço de ressonância magnética, por exemplo, podem ilustrar melhor esta conta. O exame, segundo levantamento da FenaSaúde, apontou, em média, variação de 20% no preço, passando de R$ 485 para R$ 581, entre setembro de 2015 e o mesmo mês de 2016, ao mesmo tempo que aumentou o número de testes realizados: 8,8% no ano passado, na comparação com 2015. Nesse caso, o aumento da despesa com esse exame foi da ordem de 30,4%. Trata-se, portanto, de uma relação com a quantidade utilizada e não somente com a variação de preço, demonstra Solange Beatriz.
Outro exemplo disso é o teste ergométrico computadorizado, com preços em média de R$ 241,26. No ano passado, foram feitos cerca de 3,5 milhões de exames. Esse aumento de apenas 1% em comparação com 2015 – 38 mil exames – resultou em um custo estimado de R$ 9 milhões nas despesas das operadoras.
Os tratamentos quimioterápicos tiveram, em média, variação de 21% no preço entre setembro de 2015 e o mesmo mês de 2016, saltando de R$ 5 mil para mais de R$ 6 mil, no mesmo período. Já o equipo bomba de infusão, material usado em ambulâncias e UTIs, custava, em 2007, R$ 145,04, e em dezembro de 2015, o valor subiu para R$ 1.150,41, um aumento de 693,2%.
Para Josier Vilar, presidente do Conselho Empresarial de Medicina e Saúde da Associação Comercial do Rio de Janeiro, a inflação dos custos do segmento está desalinhada com a inflação geral, e torna-se um grande risco para a Saúde Suplementar no Brasil.
– Os pagadores de planos de saúde não vão suportar reajustes tão altos em curto prazo. Não há como repassarmos despesas sem tentar modificar as suas causas. O modelo para gerar receitas se esgotou. O país envelhece e as demandas por serviços de saúde crescem.
Mutualismo: Contribuição de todos para benefício individual
A falta de rentabilidade, como avalia o economista da PUC-Rio, Luiz Roberto Azevedo Cunha, decorre dos aumentos de custos do setor superiores à inflação geral, que não podem ser absorvidos pelos contratantes de planos de saúde. Para ele, como em todos os tipos de seguros, os planos de saúde devem se basear no mutualismo, sistema que se fundamenta na entidade mútua, na contribuição de todos para benefício individual de cada um dos contribuintes:
– No caso dos planos de saúde, se a maior parte dos participantes for de pessoas com maior risco, como os idosos, por exemplo, não existe esta divisão. Esse é um dos grandes problemas e desafios da saúde suplementar no Brasil. Nas situações de internação, há gastos das operadoras com o cliente como remédios, material hospitalar, remuneração dos profissionais de saúde, custos da internação, exames. Ou seja, uma complexidade de custos específicos do tratamento que distanciam o seguro saúde desse almejado mutualismo.
A ANS fixou em até 13,55% o índice de reajuste para os planos de saúde médico-hospitalares individuais/familiares entre maio de 2017 e abril de 2018. O percentual é válido para os planos de saúde contratados a partir de janeiro de 1999 ou adaptados à Lei nº 9.656/98 e atinge cerca de 8,1 milhões de beneficiários, o que o que representa17% do total de 47,4 milhões de consumidores de planos de assistência médica no Brasil, de acordo com dados referentes a junho de 2017.