Há anos o Brasil vinha tentando implementar medidas para lidar com a epidemia de cesáreas que atinge o país. Em vão.

Nos últimos oito anos, as taxas desse tipo de parto nos hospitais particulares – onde o problema é mais grave – variaram apenas um ou dois pontos percentuais e ficaram em torno dos 84%.

O índice é considerado alarmante e alavanca o Brasil para o posto de país com mais cesáreas no mundo.

Mas uma iniciativa chamada Parto Adequado vem conseguindo resultados positivos. As 26 maternidades que integram o projeto conseguiram derrubar a taxa de cesárea em uma média de 24% em pouco mais de um ano.

Ou seja, se antes a cada 100 partos 21 eram normais, hoje o número saltou para 37 em pouco mais de um ano.

Alguns dos hospitais conseguiram inclusive bater a meta de 40% de partos normais. É o caso do Nipo-Brasileiro, em São Paulo, que passou de apenas 15% de partos normais para 50%.

O projeto inclui iniciativas em várias frentes, mas uma das principais mexe com um fator que até então era quase intocável: o bolso dos planos de saúde, dos médicos e dos hospitais.

A mudança na forma de remuneração está ligada a novas maneiras de organizar o trabalho médico, e assim estimular o parto normal. Isso porque o modelo brasileiro para quem tem plano de saúde é considerado insustentável, segundo especialistas.

Nele, o médico do convênio escolhido pela gestante a acompanha no pré-natal e no parto – mas o valor que ele recebe pela cesárea (que exige cerca de três horas de assistência médica) ou pelo parto vaginal (que pode chegar a 10-12 horas, dependendo do ritmo do trabalho de parto) é semelhante.

Assim, acaba não compensando para o obstetra, financeiramente falando, aguardar a evolução de um parto normal.

Tabus

Para reverter essa lógica, a ideia do Parto Adequado é trabalhar com equipes, e não com um médico específico. Assim, o médico não ganha por procedimento (no caso, o parto) e sim por turno, não importando se ele vai ficar longas horas esperando a hora de o bebê nascer.

É o que acontece no Nipo-Brasileiro, que atende basicamente pacientes por planos de saúde.

“Cerca de 70% das pacientes fazem o pré-natal aqui e, assim, vão conhecendo os obstetras e enfermeiras da equipe. Elas já sabem que o parto pode ser com qualquer um dos obstetras, ou seja, o que estiver de plantão, e não um específico”, conta o gerente médico do hospital, o obstetra Rodrigo Borsari.

Segundo ele, os números vindos com o crescimento do índice de partos normais ajudam a desmistificar tabus e a convencer as operadoras de saúde a aceitar o novo esquema de trabalho.

“Mostramos e comprovamos que, com menos bebês nascidos de cesárea, se reduz a taxa de internação na UTI (porque há menos prematuros) e o tempo de permanência da mãe na maternidade – e isso é vantajoso para todos”, afirmou o obstetra.

Enfermagem obstétrica valorizada

Outra mudança apontada por Borsari foi uma maior coesão da equipe e uma maior valorização maior do papel das enfermeiras obstetras, já que monitoram todo o trabalho de parto. “O próximo passo do projeto deveria passar pela remuneração da enfermagem”, afirmou.

Segundo a enfermeira obstetra Simone Fernanda Silva, foram adotadas muitas medidas alinhadas com o projeto, que incentivam o parto normal.

“Sugerimos para as mulheres tomarem banho, fazemos massagem para aliviar as dores, liberamos a alimentação, usamos um banquinho para ajudar o bebê a descer melhor”, contou Simone.

Pressão das mulheres

Outro ponto destacado pelo gerente médico do hospital, que explica a redução das cesáreas, está na informação.

“O fator que mais colaborou para queda nas cesáreas foi a pressão da sociedade. As mulheres hoje estão mais bem informadas sobre os benefícios do parto normal e encontram aqui um lugar seguro para isso.”

O ginecologista e obstetra Julio Toyama, que atua no Nipo-Brasileiro, conta que sente diariamente essa mudança, que ele credita à maior atenção da mídia à valorização do parto normal e especialmente ao “boca a boca” entre gestantes.

“Há dois anos, a maioria dos pacientes só queria cesárea. Eu não conseguia convencê-las por nada. Dizia: eu respeito sua escolha, mas no seu caso um parto normal pode ser mais indicado. Mas não adiantava.”

“Hoje a paciente já me questiona se a escolha dela pelo parto normal vai ser respeitada. Há um casamento entre paciente mais bem informada e um hospital que proporciona essa realidade.”

Para o obstetra, a receita que tem feito a maternidade reverter as taxas alarmantes de cesárea passa por uma cadeia hospitalar em que todos os setores têm de estar envolvidos – desde a recepção -, com uma equipe coesa.

Fui acolhida

A fisioterapeuta Thais Alves de Lima teve o filho João Pedro no hospital e contou que começou a fazer o pré-natal no hospital quando estava com 36 semanas de gravidez.

“Foi ótimo conhecer toda a equipe. Sabia que os médicos comentam os casos com os outros, dessa maneira todos ficam a par. Isso me deu muita segurança. Todos me apoiaram muito na minha decisão de ter um parto normal, se não tivesse nenhum problema.”

Ela conta ainda que as enfermeiras também foram fundamentais nessa opção, com iniciativas como evitar exames de toque desnecessários, que podem aumentar as chances de cesárea.

“As enfermeiras do pré-parto me incentivaram a tomar um banho quente, a usar a bola. Enfim, me acolheram de verdade.”

‘Mudança cultural’

O Parto Adequado é uma iniciativa que reúne governo, diretoria de hospitais privados, planos de saúde e consultores internacionais.

O projeto reúne 26 hospitais que participaram de todas as estratégias adotadas, e outros 35, que aplicam apenas algumas delas.

Para o diretor superintendente do Hospital Israelita Albert Einstein (um dos integrantes do projeto), Miguel Cendoroglo Neto, o Parto Adequado vem trazendo uma série de mudanças na infraestrutura e na operação das maternidades e ajudando a provocar uma mudança cultural em toda a sociedade.

“Ter mais enfermeiras participando e uma nova forma de compreender a assistência ao trabalho de parto possibilita uma reorganização das equipes e permite mais segurança para a realização de partos vaginais.”

Fonte: BBC

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